segunda-feira, 25 de abril de 2011

Meninos que não queriam ser padres - Artigo de jornal


 Publicado no Jornal da Cidade em 20/04/2011

Texto: Clarêncio  Martins Fontes (JORNALISTA)

Fala-me “Saracura”, confidente e amigo solidário, leitor ardente, também bibliofilo, que a sua ampla estante, com suas prateleiras arrumadas, não representa na sua residência um mero ornamento, um ornato, como sóe a acontecer em tantos e tantos domicílios de “eruditos de fachada”, burgueses cultuadores de aparências, que entretanto levam em consideração o que sentenciou alguém ao afirmar que “Uma casa sem livros é como um corpo sem alma” e, a propósito, nunca li “Casa com Escritos”, de Charles Dickens. E Antonio Francisco de Jesus, escritor nato, mas nada prolixo nem rebuscador, piegas, ou prenhe de influencias, não só sabe ler (muitos não sabem, outros tanto não o fazem, embora não sendo semi-alfabetizados ou sofrendo de preguiça mental), dôa dezenas de obras já lidas, incentivando o hábito da leitura, não porque não disponha de espaço vital para os “mestres mudos”, nem por considerar, como a maioria dos apedeutas, os livros acumulados como ”entulho de papel impresso”.

E ao perguntar-lhe o que é mais gostoso: escrever um livro ou vê-lo publicado ele responde que é sem dúvida, escrevê-lo. E, “de quebra”, revela que vai ao encontro do seu texto com o encanto dos enamorados.
 

E talvez ele não saiba, quando na companhia dos meninos que não queriam ser padres, na convivência disciplinada de um Seminário, na sua alma já acenava a promessa do tempo de fazer dele um escritor. E entre a promessa e a sua realização passaram-se os anos de latência, ocupados com outras atividades, mas no seu subconsciente palpitava o afã do exercício do escrever e na teimosia do escrever vive hoje, desde que despertara da juventude vivida no saudoso jornal”A Cruzada” para os passos dados no Jornalismo.

“Saracura”, o bípede, invadido pelo animismo, o irracional e a percepção da curiosa ave palmípede, de grande porte, e pelos sentimentos que bem cultivou como sitiante, na sua querida Itabaiana mergulhado de cabeça no bucolismo dos ecossistemas do agreste, busca no prazer de escrever o prazer de ler do leitor revelando um arguto senso de humor as grandezas e miudezas particulares da vida, esse caleidoscópio em que não cabem os conceitos estreitos do preto no branco, mas as cores múltiplas que se reservam e nos embaralham a vista e o senso.

E confesso, “Saracura” amigo (a) que o mais que me fascina na literatura é a engenharia do texto, e depois a de narrativa, a história. Ai incluída a pesquisa de campo, como nas aventuras e saga narrada em “Os Tabaréus do Sítio Saracura”, e agora, em “Os Meninos que não Queriam ser Padres, sentimos que no autor pulsa a alma do romancista, mas é outro pano-de-fundo, a trama tem urdidura vária, mas deve ser abocanhado com voracidade pelos que não precisam ter “olho de linse” para perceber o texto psicológico, subjetivo, a vivência,  e até alguns pontos bizarros  de uma trilha confreira a matutar na rejeição oblíqua, no viés comportamental anti-escolapsco, de não esposar o sonho da batina.
Sobre o primeiro livro de  “Sara Cura”, eu não saberia dizer se a temática envolvente da sua história romanceada é o amor à ecologia e a determinação espiritual de, num recanto esquecido do Brasil, trabalhar por um mundo mais justo que respeite homens, mulheres, donos de patrimônios, servos da gleba, empregadores, e a natureza em sua exuberante diversidade ou, agora, com a memória desses meninos que não queriam ser padres, o autor  faz um brado sobre uma verdade oculta, e com a singeleza de uma linguagem literária, nos dá o que pensar, até dialeticamente, sobre algumas vertentes que ontem, como hoje, balançam estruturas teológicas de dogmas, liturgia, ritos e discursos religiosos,  com isso parodiando Saracura, de que no mundo do século XXI, expressivamente tecnológico e científico, mecanicista e fugaz, pragmático mas nem sempre racionalista, no sentido estrito e filosófico, legiões de meninos, hordas de estudantes, milhões de crianças, quer no Ocidente, quer no Oriente, estão desestimuladas a seguirem o sacerdócio, a vida eclesial, a aventura missionária, o Pastoreio de almas, o Rabinato, a vida monástica, quer católica quer budista, enquanto até o Islamismo se vê envolto por correntes belicistas e fanatizadas, pugnando por princípios teocráticos...

“Os Meninos que não Queriam ser Padres” tem suas mensagens subliminares, talvez, mas está intrinsecamente ligado à experiência da religiosidade sergipana, e à sua alma  votiva e rebelde... E o autor, nos parece, produziu uma obra quase autobiográfica.

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