terça-feira, 21 de junho de 2011

"Só sei escrever sobre coisas que conheço" (sobre o que vi e vivi e as adjacências)


Matéria publicada no Jornal Cinform
de Aracaju, edição 13 a 19/06/2011

Antônio Francisco de Jesus, escritor

TÍTULO:
"Só sei escrever sobre coisas que conheço"
(sobre o que vi e vivi e as adjacências  - permita-me agregar ao título este complemento)  


SUBTÍTULO:
Autor sergipano fala do entusiasmo de perpetuar as coisas do interior

Por Igor Matheus

"Havia imagens que me perseguiam a vida inteira. Eram lembranças em que eu tentava escapar do chicote, dos corriões do meu avô, de levar surras no sítio, das mandiocas entrançadas que tínhamos que limpar agachados. Se eu não escrevesse sobre isso algum dia, endoidava". O itabaianense Antônio Francisco de Jesus - ou Antônio Saracura, como também gosta de se denominar - não endoidou. Apenas se entregou àquilo para o qual pareceu ser predestinado a vida inteira: a perpetuação, pelas letras, de sua gente e de sua terra.
É o que está registrado em seu segundo trabalho como autor, 'Meninos que não queriam ser padres', lançado no começo deste mês. Segunda incursão de Antônio Francisco na literatura, a obra trata da saga de crianças e jovens absorvidos pelas exigências de um seminário, uma das pouquíssimas opções de se obter educação formal em uma época em que saber ler já era muito.
Autodeclarado preguiçoso para trabalhar na roça - pelo menos quando moleque - , onde se criou, Antônio Francisco trilhou diversos caminhos até se enxergar escritor. Formou-se em Economia em 1971, foi repórter e redator-chefe de antigos jornais da capital, fundou o Clube de Cinema de Sergipe e trabalhou em 'n' empresas pelo país. Depois de aposentado, se viu diante de uma pilha de lembranças que anotou pelo caminho. E tratou de compartilhá-las por meio do mais complexo, elaborado e pouco difundido estilo de redação que existe: o mais simples possível. Em entrevista para o Cinform, Antônio Saracura fala de sua obra, das intersecções dela com sua biografia e da atual literatura sergipana. Acompanhe.

Cinform - Que tipo de público o senhor pretende alcançar com 'Meninos que não queriam ser padres'?
Antônio Francisco de Jesus - Todos. Tanto ele quanto o meu primeiro livro, 'Os Tabaréus do Sítio Saracura', foram escritos em linguagem simples de propósito. Procurei usar o mínimo possível de palavras fora de circulação. E acho que é desse jeito que o livro vai cair no gosto das pessoas. São obras para quem gosta de costumes, para quem dá valor às coisas de Sergipe. Só que, ao mesmo tempo, não é uma obra bairrista. As histórias que conto nos dois livros poderiam ter acontecido em qualquer povoado do Brasil ou em qualquer seminário do mundo. Não abuso de linguagem regional. Minha linguagem é maneira. Em alguns casos, é inevitável usar termos da região. Mas fiz o possível para que uma pessoa de qualquer cultura lesse a história sem se sentir deslocada.

Cinform - O que está embutido na frase do título?
AFJ - Ali me refiro aos caprichos, às armadilhas, que fizeram com que diversos meninos fossem obrigados a prestar exame de admissão no seminário. Antigamente, o interior era cheio de gente querendo aprender a estudar, a ler, mas que não tinha condições de bancar o ensino. No livro, um dos moleques não passa no exame, mas acaba ficando no seminário como porteiro sob a condição de estudar para conseguir entrar no ginásio. Daqueles moleques todos, alguns queriam ser padres e estavam até imbuídos de vocação. Mas a maioria não tinha a menor ideia do que estava fazendo ali.

Cinform - O senhor passou por tudo isso?
AFJ - Sim. Passei seis anos no seminário menor. Fui porteiro, depois terminei o ginásio, fiz um ano de científico e em seguida saí. Na verdade esses meus dois livros, apesar de serem basicamente ficção, têm um pouco da minha vida. Cada frase registrada ali veio de alguma coisa que, de alguma forma, ouvi. Só sei escrever sobre as coisas que conheço. E no livro mostro parte dessa vida lá dentro, dos rigores da disciplina, dos métodos de lavagem cerebral. Mas tudo isso sem menosprezar e ridicularizar nada. Por sinal, acho que o seminário é uma instituição que merece respeito. Muitas pessoas ilustres de nossa sociedade vieram de lá. Também ofereço o livro aos 'meninos matutos que conseguiram estudar'. Porque eles também revolucionaram suas próprias famílias, fazendo com que irmãos e primos também quisessem se educar.

Cinform - E como começou esse interesse de retratar histórias de sua realidade?
AFJ - Foi mais ou menos em 2000, quando me aposentei. Minha mãe sempre teve uma memória fabulosa. E quando ela contava histórias de nossa família, eu anotava, fazia árvore genealógica, fazia tudo. Fui guardando e passei a me perguntar o que iria fazer com tudo aquilo. E decidi escrever para os outros. Primeiro fiz em formato de cordel. Nada pra vender por aí, mas apenas para distribuir entre os parentes. Só que aí começaram a dar palpites, a incentivar. Transformei em prosa, depurei, joguei fora uns pedaços, rasguei outros, terminei e comecei a ver que aquilo dava uma boa leitura. Pelo menos boa o suficiente para não envergonhar nem a mim mesmo nem à cultura sergipana. Até porque não escrevo pra obter louvores de ninguém. Apenas gosto de escrever com carinho e cuidado.

Cinform - Que autores o senhor tem como guia para exercer esse cuidado?
AFJ - Vários, uma miscelânea de escritores. José Lins do Rego, Graciliano Ramos, Érico Veríssimo, Guimarães Rosa. Daqui, Luiz Antônio Barreto, Vladimir Souza Carvalho, Chico Dantas. E muitos autores estrangeiros também. Li todos eles sem nenhuma obrigação, sem nenhuma incumbência relacionada. Não sou professor da área de Letras nem nada. Os li por prazer.

Cinform - Como o senhor avalia a relação entre a literatura que se produz em Sergipe e a disseminação dos valores e costumes locais? Esse elo ainda é forte?
AFJ - Não. E espero que meus livros despertem outros autores para esse lado. Há escritores aqui que publicaram livros há 20 anos e mesmo em plena forma intelectual não lançaram mais nenhum. Pararam no tempo dizendo que não há mais incentivo. Eu também não tive incentivo. Mas fui atrás. Negociei, pechinchei, recebi muitas negativas e consegui, mesmo tudo tendo saído do meu bolso. E posso dizer que minha dificuldade não foi nem escrever nem editar. Meu maior problema, até hoje, é distribuir. É fazer com que as pessoas tenham acesso à minha obra. 'Os Tabaréus do Sítio Saracura', por exemplo, ninguém sabia onde estava, pois era socado no subterrâneo das livrarias. E mesmo com toda a divulgação em rádios e jornais, muita gente ignora os lançamentos. Além disso, há outro problema: não há em Sergipe nenhuma editora que nos dissemine nacionalmente. O máximo que podemos fazer, hoje, é chegar à ponte do Rio Real. A não ser que alguém coloque o livro embaixo do braço e leve embora. Essas coisas podem até desestimular muitos escritores. Mas a mim, não.

Cinform - Apesar de ser ficção, sua obra também funciona como um exercício de resgate da memória interiorana. O senhor acha que Sergipe tem zelado por seu passado a contento?
AFJ - Graças às universidades, até que sim. Temos historiadores despontando em tudo quanto é interior. Em Itabaiana mesmo há quatro ou cinco estudiosos de escol escrevendo sobre a história do município. Não publicaram livros ainda, mas exibem seus trabalhos em artigos nos jornais locais. E não é só lá. Tem surgido livros sobre municípios Sergipe afora. Já estão surgindo várias coisas, e acho que também colaborei um pouco com isso.

Cinform - Depois de 'Meninos que não queriam ser padres', qual o seu próximo passo no ramo da literatura?
AFJ - Venci o prêmio Mario Cabral pela Secretaria de Estado da Cultura com um livro de crônicas chamado 'Minha Querida Aracaju Aflita'. Eles prometeram que a publicação sairia no ano passado, mas até agora não aconteceu nada. Então... estou no aguardo. O interessante é que quando você deve ao governo, ou você paga ou vai preso. Mas quando ele deve a você, não existe jeito de cobrar (risos).



domingo, 5 de junho de 2011

O LANÇAMENTO JÁ ACONTECEU NO DIA 02/06/2011





Festa bonita.Muita gente la. Intelectuais e leitores. Algumas surpresas maravilhosas.Mas também algumas ausências muito lamentadas. Nem tudo que a gente quer pode fazer/acontecer. Tanto serve para mim como para todo mundo.  


A seguir estou publicando o discurso (feito por escrito exatamente para possibilitar essa veiculação) no qual estendo a todos os meus leitores e amigos, os meus agradecimentos.






  
LANÇAMENTO DE “MENINOS QUE NÃO QUERIAM SER PADRES”


Antes de mais nada muito obrigado a todos que estão aqui e aos que queriam mas não puderam estar. Que Deus lhes dê o dobro de tudo bom que me desejam!

Publicar um livro dá algumas tristezas e muitas alegrias.  E até o momento de publicá-lo, dúvidas e medos. Digo por mim! 

1)      Sobre as Dúvidas e Medos
Passei minha vida inteira lendo livros por prazer. Saboreando sem nenhum compromisso de prestar conta a ninguém.  Comemorando com festas íntimas os bons e execrando  os ruins. Parando no meio de certos livros famosos, retirando-os do meu caminho definitivamente. Mas, por outro lado, faltando a compromissos, provocando filas na porta dos banheiros, sem poder me desligar de muitos outros, alguns deles sem fama nenhuma.
A vida estava boa assim.
Por que então publicar livros, quando apenas ler era prazer demais pra mim? Eis a primeira grande dúvida. Mas o meu anjo (demônio) da guarda sempre estava reacendendo os meus lampejos e repassando as imagens que me marcaram a vida toda.  E eram (e ainda são)  tantas imagens e lampejos que se eu não os contasse ficaria louco.  E se  morresse antes de contá-los, certamente não iria para o céu. Menosprezara dons raros dados a mim por Deus.  E já estava com 60 anos (hoje estou com 65)  e meu pai acabara de morrer dominado pelo mal de alzeimher.  Por esses medos é que tive que começar a escrever. E logo, antes que fosse tarde demais.

O medo de incomodar os nichos estabelecidos não é nada, diante do medo de morrer sem contar as minhas histórias, que são as de meus ancestrais, as de minha mãe Florita, que está ali sentadinha, aureolada por 90 anos de sabedoria e alegria, as de meus irmãos, as de minha esposa e filhos e de todas as pessoas com quem convivi a minha vinda toda. 

2)      Sobre minhas tristezas
A primeira tristeza é que, por mais esforço que faça, por mais que pesquise, o português que estudei e aprendi nunca me permite dizer o que sinto. E assim o texto escrito  tem apenas uma vaga aparência da imagem que gostaria de transmitir. Isso me dá um  triste sentimento de inutilidade.

A segunda tristeza é que, depois de ler o meu livro mil vezes, corrigir, ajustar, depurar cada frase, cada capítulo... ainda é publicado eivado de  falhas. Muitas dessas falhas passam até despercebidas do leitor apressado, mas nunca do autor do dia seguinte. E me atribulam, e me matam por dentro. Deixam-me  triste.

A terceira tristeza são os leitores. Eu sei que eles existem. Sergipe está cheio deles. O Brasil também. Mas nunca, por mais que apareça na mídia, por mais que grite pelas ruas, por mais que Ribeiro me ajude (obrigado Ribeiro), eles nunca  ficam sabendo do meu livro novo que acaba de sair.  Existem meios fantásticos de divulgar, como a internet, como toda a mídia, mas mesmo assim, em todo canto que vou, a maior parte das pessoas nunca ouviu falar nem “Os Tabaréus do Sítio Saracura”, um livro com três anos de idade.

3)      Sobre minhas alegrias
Como é gratificante ver vocês aqui agora, vieram para o lançamento de meu novo livro “Meninos que não queriam ser Padres”.  A minha luta está então começando a surtir efeito. Pessoas importantes da minha cidade, que eu não conseguiria falar com elas pessoalmente, estarão lendo o que escrevi, amanhã. Pessoas simples do povo, que gaguejam ainda na leitura, estarão saboreando meus textos que escrevi especialmente para elas.

O Sesc  ofereceu-me o espaço  e sua estrutura para receber os meus ilustres leitores. Se o fez, certamente é porque, como muitos outros órgãos e empresas da cidade, entende que a Cultura precisa de incentivos. E fico muito alegre, em nome da literatura de Sergipe, que precisa muito. Graças a vocês que vieram, graças ao SESC que nos acolhe com tanta distinção (obrigado Excelsa Machado e sua competente equipe), graças a imprensa que cobre esse evento, talvez os meus livros e todos os livros publicados possam ser conhecidos de todas as pessoas que leem.

A  maior alegria do autor (sempre falo por mim) é saber que está sendo lido e que sua obra agrada, tem utilidade. E como é  que o autor pode saber disso? 
Através de testemunhos de pessoas que se dispõem a dizer que leram e que valeu a pena.  Deus salve essas pessoas que tem coragem de falar bem!   

E agora eu me lembro do tempo em que fui crítico de cinema em Aracaju, nos idos de antigamente. Ao assistir a um filme bom, saía do cinema tão impregnado que abordava desconhecidos na Rua João Pessoa, dizendo-lhes que “fossem ao cinema, não perdessem o filme, que era bom demais”. Quantos me chamaram de louco, estupefatos diante da pureza de meu ato  espontâneo.

A  minha alegria  extrapola  qualquer medida quando as pessoas dizem coisas boas  como disseram, recentemente, três pessoas,  sobre meus livros. Falaram sobre a obra de um autor sem poder nenhum, um anônimo até ontem, de quem ninguém teria medo nem pena.  Daí (eu tenho certeza) que as pessoas falaram com o mesmo sentimento daquele  crítico de cinema do jornal “A Cruzada” de que falei há pouco. 

Escolhi apenas três dessas pessoas, pois acho que elas resumem o que disseram verbalmente e por escrito Ismael Pereira, Luiz Antônio Barreto, Clarêncio Martins Fontes, Luciano Correia, Riam Santos, Zé Carlos de tio Homero, Vladimir Souza Carvalho, Coroné Vevé, Vitor do povoado Guedes em Gracho Cardoso e muitos outros, alguns através de simples e magníficos torpedos telefônicos.

Todos me fizeram ter a certeza de que vencer as dúvidas e os medos e suportar as tristezas não foi nada diante da alegria inaudita de ouvir os seus vivas para minha singela canção.

A primeira pessoa é Cláudio Nunes, um blogueiro da Infonet que ainda não tive o prazer de conhecer pessoalmente, e que escreveu no dia 09/05/11:
...“Mais uma vez Saracura mostra toda sua veia literária com um jeito próprio de escrever suas peripécias e de vários colegas seminaristas. E por suas peripécias passam personagens reais e fictícios de um romance sensacional”.

A segunda pessoa é Vieira Neto, poeta e jornalista, que também ainda não tive o prazer de conhecer pessoalmente, e que escreveu no Jornal do Dia, em 10/05/2011:
...“Será preciso dizer mais? Basta acrescentar que “Meninos que não queriam ser padres”, assim como o livro anterior do mesmo autor, “Os Tabaréus do Sítio Saracura” (já recomendado aqui)  é construído de tal forma que o leitor se emociona da primeira à última página, quando Antônio Francisco cria um desfecho genial para sua exuberante narrativa”.

E por último, a escritora Chistina Cabral, que conheci nem tem dois meses ainda, numa sessão da Academia Sergipana de Letras (sempre que posso vou me ilustrar) e que está aqui nos honrando com sua presença nessa noite. Ela me endereçou uma carta,  que passo a ler (se me permitem):

“CARTA ABERTA AO ESCRITOR ANTÔNIO FRANCISCO DE JESUS

Querido amigo,

A literatura nos permite colecionar amigos no coração, mesmo sem conhecê-los ou ter com eles convívio.

Estes amigos nos tomam as mãos e nos levam ao imaginário. De mãos dadas permitem-nos percorrer seu encantador passado e invadir, com espanto e êxtase, o seu íntimo sadio e puro.  Refiro-me aos seus livros “Os Tabaréus do Sítio Saracura” e “Meninos que não queriam ser Padres”.

Monteiro Lobado com seu “Sítio do Pica-pau Amarelo”, lançou sua âncora amorosa e renovadora no Brasil e no Mundo. Abriu a imaginação para busca e exaltação do belo e, na sua riqueza de personalidades e temas nos permitiu, como você nos permite, integrar os nossos passados, viver com alegria ou emoção os nossos momentos, abraçar com ternura os nossos idos familiares ou amigos.

Você chegou de mala de cuia e tomou conta  do “pedaço”. Nós o seguimos Saracura, com ansiedade e curiosidade pelos momentos de calma e bom humor que nos proporciona e pelas andanças nos caminhos de nossa memória.

Christina Cabral.  Aracaju, 02/05/2011”

Só me resta dar Graças a Deus  e pedir para que Ele nos abençoe a todos, muito mais a vocês que já vieram me abençoar (e já me sinto muitas vezes abençoado), o que imensamente agradeço.
(tenho dito)