quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

O jornalista Luduvice José escreve sobre "Meninos..."e sobe


MENINOS QUE NÃO QUERIAM SER PADRES” UM LIVRO QUE REVOLVE O PASSADO

*Luduvice José

Ainda nem deu tempo de me enxugar do saudosismo após o profundo mergulho que dei no livro “MENINOS QUE NÃO QUERIAM SER PADRES”, do colega de seminário ANTONIO FRANCISCO DE JESUS.. Fui fundo, num périplo que o Saracura me proporcionou, revolvendo e me envolvendo em fatos, alguns sem conseguir esconder a realidade, mesmo travestidos de ficcionismo, mas flagrados por mim como ator de simplória participação nesse enredo sacro- profano.
Foi gratificante recordar. E ainda reverbera nos recônditos das evocações, permitindo-me buscar, levantando as dobras fugidias do tempo, e me encaixar em certas tramas, ligando nomes que o autor adicionou convenientemente complementos, além da providencial troca geográfica de logradouros que circundaram o então vetusto seminário arquidiocesano, aonde vivi durante alguns anos – é até de espantar -, estudando para ser padre.
Quarenta e nove anos me distanciam da história insculpida em cada capítulo. Sobretudo nas entrelinhas que vertem de soslaio, solilóquios de estórias que o tempo já havia entrevado nas minhas lembranças, levadas naturalmente e, que agora, pinceladas em graníticas e cristalizadas colocações, reacendem díspares direções, ensejando até mesmo uma cronologia que me emociona pela fidelização da pena de Antonio Francisco, com parte do que ocorreu e mereceu registro no seu livro. Que diga-se de passagem, dormitou bastante tempo para vir a lume, certamente tomando corpo no ruminar tão próprio dos cautelosos e prudentes. Certamente eivado pela concisão explícita, uma certa disciplina conseguida quem sabe nos soturnos e inexplicáveis – para mim, é claro -, retiros espirituais a que eram submetidos os seminaristas, sem maiores explicações, até mesmo por que todos já estávamos retirados da normalidade dos comuns.
Certamente Antonio Francisco tenha pinçado e coado vertentes, e depurado prioridades, dos calhamaços paridos dos diários gestados na surdina, escondendo urdiduras e agora revelando identidades de um bando de meninos que alimentaram sonhos de chegar a padres, mas que no deambular dos variados caminhos, exigências – muitas absurdas -, isolamentos, colidiram com a realidade que nos acordou, destroçando a inocência onírica, mostrando e desmistificando a premissa reinante, de que chegar ao sacerdócio representasse o caminho ditoso de servir a Deus.
No caleidoscópio da multiplicidade do caráter de cada colega – Antonio Francisco mostra as variadas tendências sem ser psicólogo -, pude enxergar as incongruências, assim como o fosso que separa a teoria, da prática. Principalmente da prática cristã, que não pode ser atrelada a nenhum segmento religioso.
A nostálgica lembrança, a narrativa circunstanciada, permitiram volatizar-me e recordar até mesmo da aragem penteando as folhas do sapotizeiro, e do elegante pé de sapota, provocando-me os sentidos que me trazem o adorável odor de maduros frutos que tanto saboreie. Da mesma forma que imaginei as frondosas mangueiras, que conhecia cada galho, pois mantinha uma estreita cumplicidade, pois me era fácil reconhecer, de longe, o estágio de cada manga, oportunizando-me arriscar um flagra do reitor, e célere chegar até aonde se encontrava o dadivoso e suculento fruto, acrescido do gosto da aventura.
Antonio Francisco de Jesus, tornou seu livro uma ponte, que vencida, mostrou uma clareira infindável que penetrei sem pudor, pela intimidade vislumbrada em cada página, citações ou frases. Um conúbio com o ontem, toldado pelos anos de fastio, revivido e pulsante na trajetória insculpida nas colocações precisas, retalhadas convenientemente, expondo-se nuas como exige o tônus contemporâneo da narrativa.
Atiçado, quase sôfrego, me deixei levar pela leitura, perpassando pelos corredores soturnos que entremeavam os dormitórios, ouvindo ainda o ranger alcaguete dos carcumidos assoalhos, a pontualizar a existência daquele seminário.
Recordei-me até das camas patentes, evocando a minha competência em desarmá-las, deixando-as como se estivessem armadas, deleitando-me quando ouvia algumas desabando sob o peso de um colega desatento.
Vi-me azucrinando o cotidiano dos prefeitos que, por infelicidade passaram pela divisão dos menores aonde me inseria. Consegui que a recordação me permitisse ouvir até o estridente badalar do sino que nos despertava, molestando nossos ouvidos e violentando a nossa vontade de permanecer mais um pouco na cama, pois a missa diária nos esperava.
Ah os apelidos!!! Pródigos em desassossegar os mais sensíveis e irritadiços, e que faziam o deleite dos gozadores, entre os quais me incluía.
E as famosas tardes de domingo obrigatoriamente vividas entre livros!!! Um despautério pois se tornavam abusivamente chatas, uma vez que o Reitor não nos dava trégua, exigindo-nos criatividade e artifícios para trocar os livros didáticos pelos romances, muitos que conseguia camuflar, na sua maioria não tolerados, incluindo os modernistas, na quase totalidade considerados impróprios para um seminarista.
Num todo, para não ser redundante, admito com contentamento, que o livro OS MENINOS QUE NÃO QUERIAM SER PADRES, me levou a um passeio prazeroso pelo tempo. Desde o instante em que o autor descendo da marinete na Rua da Frente - Avenida Ivo do Prado -, se deparou com aquele açude descomunal (o Rio Sergipe), deixando para trás os pés de grota que bolinava com a enxada para a produção de mandioca, e chegando para uma nova jornada que lhe proporcionou escaladas, descortinando o saber que tanto perseguia, mas que sua querida Itabaiana nunca lhe concederia, tornando-se assim mais um entre os meninos que não queriam ser Padres.
Obrigado, colega, pela viagem. E olha que o roteiro pode ser ampliado numa segunda edição ou no tomo II. E que possa vir logo, pois já estou me preparando para novos mergulhos.

* Jornalista e crítico de arte

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